A propósito do tema "Mudar de Vida" de Carlos Paredes.
Esta foi a primeira peça para guitarra portuguesa que aprendi a executar (não a tocar, porque isso é para músicos, coisa que até hoje ainda não consegui atingir!!!).
http://www.tauc.net/
O nosso primeiro professor foi o Dr. Álvaro Aroso, exímio guitarrista. Devo reconhecer que sofreu um pouco com a minha pouca aptidão. Mas sofrer a bom sofrer com o meu ouvido, foi o nosso professor de Solfejo, o Prof. Travassos Cortez. Recordo ainda hoje as pausas forçadas que ele tinha que fazer (para fumar um cigarro) após insistentemente martelar uma nota no piano e me perguntar qual era ....
Esta música foi editada no Álbum de 1971 "Movimento Perpétuo" e foi composta para o filme MUDAR DE VIDA de Paulo Rocha (com Geraldo del Rey, Maria Barroso, Isabel Ruth), Portugal, 1966.
Deu origem a duas versões, uma (que é esta) chamada Mudar de Vida - Tema e uma outra, mais completa, que se chama Mudar de Vida - Musica de fundo.
Podem escutar e ver a música em vários locais, mas também aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=h3-MpibDFSk
(os 1:05m iniciais)
E numa excelente versão em Guitarra Clássica:
http://www.youtube.com/watch?v=VCO6LN5W1eo
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___________________________________________________Esta música foi editada no Álbum de 1971 "Movimento Perpétuo" e foi composta para o filme MUDAR DE VIDA de Paulo Rocha (com Geraldo del Rey, Maria Barroso, Isabel Ruth), Portugal, 1966.
Deu origem a duas versões, uma (que é esta) chamada Mudar de Vida - Tema e uma outra, mais completa, que se chama Mudar de Vida - Musica de fundo.
Podem escutar e ver a música em vários locais, mas também aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=h3-MpibDFSk
(os 1:05m iniciais)
E numa excelente versão em Guitarra Clássica:
http://www.youtube.com/watch?v=VCO6LN5W1eo
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CARLOS PAREDES
Já agora e a propósito de Carlos Paredes, deixo-vos algumas notas sobre a sua vida e obra.
CARLOS PAREDES
(Coimbra, 16 de Fevereiro de 1925 — Lisboa, 23 de Julho de 2004)
Carlos Paredes foi um compositor e guitarrista português. Foi um dos grandes guitarristas e é um símbolo ímpar da cultura portuguesa. É um dos principais responsáveis pela divulgação e popularidade da guitarra portuguesa e grande compositor. Carlos Paredes é um guitarrista que para além das influências dos seus antepassados - pais, avós, tios, todos eles exímios guitarristas de Coimbra - mantém um estilo Coimbrão, a sua guitarra é de Coimbra, e própria afinação. A sua vida em Lisboa marcou-o e inspirou-lhe muitos dos seus temas e composições.
Conhecido como O mestre da guitarra portuguesa ou O homem dos mil dedos.
Filho, neto e bisneto dos famosos guitarristas Artur, Gonçalo Paredes e José Paredes, começou a estudar guitarra portuguesa aos quatro anos com o seu pai, embora a mãe preferisse que o filho se dedicasse ao piano; frequenta o Liceu Passos Manuel, começando também a ter aulas de violino na Academia de Amadores de Música.
Na sua última entrevista, recorda: "Em pequeno, a minha mãe, coitadita, arranjou-me duas professoras de violino e piano. Eram senhoras muito cultas a quem devo a cultura musical que tenho".
Em 1934, muda-se para Lisboa com a família, e abandona o violino para se dedicar, sob a orientação do pai, completamente à guitarra. Carlos Paredes fala com saudades desses tempos: "Neste anos, creio que inventei muita coisa. Criei uma forma de tocar muito própria que é diferente da do meu pai, do meu avô, bisavô e tetratavô".
Carlos Paredes inicia em 1939 uma colaboração regular num programa de Artur Paredes na Emissora Nacional e termina os estudos secundários num colégio particular. Em 1943 faz exame de admissão ao Curso Industrial do Instituto Superior Técnico, que não chegou a concluir e inscreve-se nas aulas de canto da Juventude Musical Portuguesa, tornando-se em 1949 funcionário administrativo do Hospital de São José.
Em 1957 grava o seu primeiro disco, a que chamou simplesmente "Carlos Paredes".
Em 1958, é preso pela PIDE por fazer oposição a Salazar, é acusado de pertencer ao Partido Comunista Português, do qual era de facto militante, sendo libertado no final de 1959 e expulso da função pública na sequência de julgamento. Durante este tempo andava de um lado para o outro da cela fingindo tocar música, o que levou os companheiros de prisão a pensar que estaria louco - de facto, o que ele estava a fazer, era compor músicas na sua cabeça.
Quando voltou para o local onde trabalhava no Hospital, uma das ex-colegas, Rosa Semião, recorda-se da mágoa do guitarrista devido à denúncia de que foi alvo: «Para ele foi uma traição, ter sido denunciado por um colega de trabalho do hospital. E contudo, mais tarde, ao cruzar-se com um dos homens que o denunciou, não deixou de o cumprimentar, revelando uma enorme capacidade de perdoar!»
Em 1962, é convidado pelo realizador Paulo Rocha, para compor a banda sonora do filme Os Verdes Anos: «Muitos jovens vinham de outras terras para tentarem a sorte em Lisboa. Isso tinha para mim um grande interesse humano e serviu de inspiração a muitas das minhas músicas. Eram jovens completamente marginalizados, empregadas domésticas, de lojas - Eram precisamente essas pessoas com que eu simpatizava profundamente, pela sua simplicidade». Recebeu um reconhecimento especial por “Os Verdes anos”.
Tocou com muitos artistas, incluindo Charlie Haden, Adriano Correia de Oliveira e Carlos do Carmo. Escreveu muitas músicas para filmes e em 1967 gravou o seu primeiro LP "Guitarra Portuguesa". Quando os presos políticos foram libertados depois do 25 de Abril de 1974, eram vistos como heróis. No entanto, Carlos Paredes sempre recusou esse estatuto, dado pelo povo. Sobre o tempo que foi preso nunca gostou muito de comentar. Dizia «que havia pessoas, que sofreram mais do que eu!». Ele é reintegrado no quadro do Hospital de São José e percorre o país, actuando em sessões culturais, musicais e políticas em simultâneo, mantendo sempre uma vida simples, e por incrível que possa parecer, a sua profissão de arquivista de radiografias. Várias compilações de gravações de Carlos Paredes são editadas, estando desde 2003 a sua obra completa reunida numa caixa de oito CDs.
A sua paixão pela guitarra era tanta que, conta que certa vez, a sua guitarra se perdeu numa viagem de avião e ele confessou a um amigo que «pensou em se suicidar».
Uma doença do sistema nervoso central (mielopatia), impediu-o de tocar durante os últimos 11 anos da sua vida. Morreu em 23 de Julho de 2004 na Fundação Lar Nossa Senhora da Saúde em Lisboa, sendo decretado Luto Nacional.
"Quando eu morrer, morre a guitarra também.
O meu pai dizia que, quando morresse, queria que lhe partissem a guitarra e a enterrassem com ele.
Eu desejaria fazer o mesmo.
Se eu tiver de morrer.”
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Paredes
(Coimbra, 16 de Fevereiro de 1925 — Lisboa, 23 de Julho de 2004)
Carlos Paredes foi um compositor e guitarrista português. Foi um dos grandes guitarristas e é um símbolo ímpar da cultura portuguesa. É um dos principais responsáveis pela divulgação e popularidade da guitarra portuguesa e grande compositor. Carlos Paredes é um guitarrista que para além das influências dos seus antepassados - pais, avós, tios, todos eles exímios guitarristas de Coimbra - mantém um estilo Coimbrão, a sua guitarra é de Coimbra, e própria afinação. A sua vida em Lisboa marcou-o e inspirou-lhe muitos dos seus temas e composições.
Conhecido como O mestre da guitarra portuguesa ou O homem dos mil dedos.
Filho, neto e bisneto dos famosos guitarristas Artur, Gonçalo Paredes e José Paredes, começou a estudar guitarra portuguesa aos quatro anos com o seu pai, embora a mãe preferisse que o filho se dedicasse ao piano; frequenta o Liceu Passos Manuel, começando também a ter aulas de violino na Academia de Amadores de Música.
Na sua última entrevista, recorda: "Em pequeno, a minha mãe, coitadita, arranjou-me duas professoras de violino e piano. Eram senhoras muito cultas a quem devo a cultura musical que tenho".
Em 1934, muda-se para Lisboa com a família, e abandona o violino para se dedicar, sob a orientação do pai, completamente à guitarra. Carlos Paredes fala com saudades desses tempos: "Neste anos, creio que inventei muita coisa. Criei uma forma de tocar muito própria que é diferente da do meu pai, do meu avô, bisavô e tetratavô".
Carlos Paredes inicia em 1939 uma colaboração regular num programa de Artur Paredes na Emissora Nacional e termina os estudos secundários num colégio particular. Em 1943 faz exame de admissão ao Curso Industrial do Instituto Superior Técnico, que não chegou a concluir e inscreve-se nas aulas de canto da Juventude Musical Portuguesa, tornando-se em 1949 funcionário administrativo do Hospital de São José.
Em 1957 grava o seu primeiro disco, a que chamou simplesmente "Carlos Paredes".
Em 1958, é preso pela PIDE por fazer oposição a Salazar, é acusado de pertencer ao Partido Comunista Português, do qual era de facto militante, sendo libertado no final de 1959 e expulso da função pública na sequência de julgamento. Durante este tempo andava de um lado para o outro da cela fingindo tocar música, o que levou os companheiros de prisão a pensar que estaria louco - de facto, o que ele estava a fazer, era compor músicas na sua cabeça.
Quando voltou para o local onde trabalhava no Hospital, uma das ex-colegas, Rosa Semião, recorda-se da mágoa do guitarrista devido à denúncia de que foi alvo: «Para ele foi uma traição, ter sido denunciado por um colega de trabalho do hospital. E contudo, mais tarde, ao cruzar-se com um dos homens que o denunciou, não deixou de o cumprimentar, revelando uma enorme capacidade de perdoar!»
Em 1962, é convidado pelo realizador Paulo Rocha, para compor a banda sonora do filme Os Verdes Anos: «Muitos jovens vinham de outras terras para tentarem a sorte em Lisboa. Isso tinha para mim um grande interesse humano e serviu de inspiração a muitas das minhas músicas. Eram jovens completamente marginalizados, empregadas domésticas, de lojas - Eram precisamente essas pessoas com que eu simpatizava profundamente, pela sua simplicidade». Recebeu um reconhecimento especial por “Os Verdes anos”.
Tocou com muitos artistas, incluindo Charlie Haden, Adriano Correia de Oliveira e Carlos do Carmo. Escreveu muitas músicas para filmes e em 1967 gravou o seu primeiro LP "Guitarra Portuguesa". Quando os presos políticos foram libertados depois do 25 de Abril de 1974, eram vistos como heróis. No entanto, Carlos Paredes sempre recusou esse estatuto, dado pelo povo. Sobre o tempo que foi preso nunca gostou muito de comentar. Dizia «que havia pessoas, que sofreram mais do que eu!». Ele é reintegrado no quadro do Hospital de São José e percorre o país, actuando em sessões culturais, musicais e políticas em simultâneo, mantendo sempre uma vida simples, e por incrível que possa parecer, a sua profissão de arquivista de radiografias. Várias compilações de gravações de Carlos Paredes são editadas, estando desde 2003 a sua obra completa reunida numa caixa de oito CDs.
A sua paixão pela guitarra era tanta que, conta que certa vez, a sua guitarra se perdeu numa viagem de avião e ele confessou a um amigo que «pensou em se suicidar».
Uma doença do sistema nervoso central (mielopatia), impediu-o de tocar durante os últimos 11 anos da sua vida. Morreu em 23 de Julho de 2004 na Fundação Lar Nossa Senhora da Saúde em Lisboa, sendo decretado Luto Nacional.
"Quando eu morrer, morre a guitarra também.
O meu pai dizia que, quando morresse, queria que lhe partissem a guitarra e a enterrassem com ele.
Eu desejaria fazer o mesmo.
Se eu tiver de morrer.”
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Paredes
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Ainda sobre Carlos Paredes, escreveu RUI VIEIRA NERY, a propósito do último CD editado pelo musico "Canção para Titi - Os inéditos" - 1993:
Em Julho de 1993, já seriamente afectado pela doença que o havia de imobilizar, Carlos Paredes começou a gravar um novo álbum nos estúdios de Paço d’Arcos da Valentim de Carvalho. Em pelo menos uma das sessões registadas acompanhava-o Fernando Alvim, um velho amigo e o viola notável com quem tinha partilhado o essencial da sua discografia, nas restantes seria a vez de Luísa Amaro, a sua companheira dos últimos anos e nestes também ela um pilar da sua carreira e da sua vida. No estúdio estava Hugo Ribeiro, o mestre incontestado dos técnicos de som portugueses durante décadas.
Carlos Paredes estava entre amigos e entregue mais uma vez a profissionais excelentes.
Ao longo dos sucessivos períodos de gravação efectuados Paredes gravou um total de oito composições novas. Fisicamente debilitado e com plena consciência das limitações que isso acarretava ao domínio técnico absoluto que sempre caracterizara a sua relação com a guitarra, foi multiplicando até à exaustão os takes de cada obra: dez no “Mar Goês”, doze na “Canção para minha Mãe”, quatorze nos “Arcos do Jardim”.
Em alguns casos eram entradas de alguns compassos em breve interrompidas, noutros interpretações integrais logo repetidas por os dedos o terem traído numa passagem rápida menos limpa ou num ornamento menos claro. Por vezes percebe-se que houve uma pausa entre takes para uma audição insatisfeita, noutras ouvimo-lo mergulhar com uma precipitação quase angustiada de uma versão para a seguinte.
Ouvir hoje a sucessão completa destes registos é uma experiência emocional tremenda. Sentimo-nos testemunhas directas de um combate feroz e desesperado de um grande criador com o seu próprio corpo: a respiração, que os microfones captam impiedosamente, é ofegante, e há no som da guitarra uma tensão por vezes violenta, como se Paredes quisesse compensar com verdadeira raiva a firmeza que as mãos insistiam em negar-lhe. Mas ao mesmo tempo é fascinante constatar como este combate desigual vai sendo ganho a pulso e como de versão para versão os dedos vão respondendo melhor, as frases se vão lançando, as obras ganham corpo e se afirmam em toda a sua inspiração. Há casos em que ao longo deste processo a própria composição foi evoluindo, com alterações mais ou menos significativas na estrutura de cada peça, desde realinhamentos na sequência das respectivas secções a um crescente amadurecimento do desenho melódico e até mesmo a mudanças de tonalidade.
Carlos Paredes não pôde já terminar este álbum, onde em circunstâncias normais as oito peças gravadas poderiam sem dúvida ser ainda objecto de novas transformações, no plano criativo, à procura da sua forma definitiva, e de novas versões, no plano interpretativo, em busca de uma segurança técnica superior. Por outro lado, é de admitir que outras composições inéditas se juntassem progressivamente às já gravadas.
Quando as gravações terminaram, estava-se, pois, assumidamente, perante um trabalho incompleto, em termos tanto da sua dimensão última como do seu próprio processo de maturação, e sobretudo perante um trabalho produzido em circunstâncias de evidente limitação física do seu protagonista face à sua plena forma anterior. Nestas condições, a decisão de o editar ou não revestia-se de um melindre artístico e ético tanto maior quanto o autor não a podia já tomar ele próprio.
Passados os anos, e confirmada a trágica irreversibilidade do estado de saúde de Carlos Paredes, impunha-se uma decisão, e foi então que Luísa Amaro, que se considerava demasiado envolvida afectivamente para ter sobre este dilema a necessária distanciação crítica, e o editor David Ferreira, que desde o início sobrepôs a qualquer interesse de ordem comercial a avaliação do mérito artístico intrínseco do projecto, acabaram por decidir, para minha grande surpresa, pedir-me uma opinião profissional independente sobre a matéria e confiar-me uma cópia integral do conjunto do material gravado.
Foi com verdadeira angústia – confesso – que me preparei para ouvir as gravações, temendo o pior. Para lá de ter construído durante anos com Carlos Paredes uma relação pessoal que sem ser propriamente de intimidade foi sempre extremamente cordial e mesmo de grande partilha artística, com longas e estimulantes conversas sobre todos os tipos de Música, do repertório clássico e romântico ao Manerismo e ao Barroco musicais e destes ao universo do fado de Lisboa e de Coimbra, tenho desde que me conheço uma admiração sem limites por Carlos Paredes,
considero a sua discografia uma referência decisiva da Música e da Cultura portuguesas do século XX, em qualquer género, e lembrava-me ainda muito bem de o ouvir ao vivo, fascinado, no auge da sua carreira, mas recordava-me igualmente da fragilidade progressiva a que fora assistindo em algumas das suas derradeiras apresentações públicas. Não era essa a imagem final que quereria ver perpetuada em disco de um músico de semelhante estatura.
Da experiência da audição concentrada e seguida de todo o material disponível, dos takes interrompidos às sucessivas versões integrais de cada peça, depressa me ficou, contudo, uma sensação de enorme felicidade. Apesar da luta desesperada evidente que Carlos Paredes travava
consigo próprio naquelas sessões de 1993 e das limitações técnicas incontornáveis a que a doença já então o submetia, a sua Música impunha-se com uma força verdadeiramente mágica logo a partir dos primeiros compassos – pujante de inspiração e de rasgo, deslumbrante no seu lirismo inconfundível. Lá estava aquele impulso rítmico único, partindo das anacrusas iniciais suspensas no tempo para depois se despenharem no seu tempo forte de resolução e lançarem a partir daí frases longas e ondulantes, sempre ao sabor de uma dicção musical perfeita. Lá estavam aquelas tonalidades menores carregadas de melancolia, salpicadas aqui e além de traços modais e de passagens cromáticas que tornavam o desenrolar da melodia num mistério sempre imprevisível. Lá estava, mesmo que agora por vezes transformado num grito de pássaro ferido, aquele som intenso, vibrado, plangente, e lá estava até, aqui e além, ainda que dramatizado pelo esforço transparecente, um virtuosismo ocasional ainda surpreendente na sua musicalidade inteligente.
Como sucede frequentemente com as suas obras anteriores, as oito peças que Paredes aqui deixou gravadas têm uma estrutura flexível em forma de arco, com os sucessivos temas a encadearem-se uns nos outros, dentro de cada uma delas, de forma muito livre, como numa rapsódia, ou a disporem-se segundo esquemas de repetição simples. Em vários casos havia para cada obra, de entre as diversas versões registadas, pelo menos uma onde os problemas técnicos ocasionais dos takes anteriores tinham sido completamente ultrapassados e que podia, por isso mesmo, ser reproduzida integralmente no seu estado original. Nos outros casos, a própria natureza seccional das peças tornava fácil a montagem de uma versão final a partir de dois – ou no máximo de três – dos takes realizados, sem que essa montagem elementar implicasse qualquer manipulação excessiva de estúdio. Uma vez decidida a edição viria esse a ser o trabalho – excelente, de resto – de Luísa Amaro e do produtor Paulo Junqueiro.
Ouço agora mais uma vez o resultado final deste trabalho, livre das versões iniciais que constituem um documento humano fascinante mas que de algum modo obscurecem o grau de perfeição possível corporizado nesse resultado. Ao fazê-lo regressa-me insistentemente a ideia de que Carlos Paredes, plenamente ciente, já então, da gravidade do seu estado de saúde geral e sobretudo das dificuldades técnicas com que se debatia, não poderá por certo ter deixado de sentir que estas seriam muito provavelmente as suas últimas gravações. Nessa perspectiva é de sublinhar muito em particular a maneira como esta Música, privada de um virtuosismo que pudesse valer por si para lá de qualquer outra lógica de construção musical, se depura de tudo o que não é essencial para assentar apenas numa inspiração concentrada onde nada é acessório. E chama-nos também a atenção o modo como Paredes parece regressar aqui a um universo que é o das suas reminiscências de infância, evocando as figuras tutelares da Mãe e da Tia, os espaços familiares da Coimbra da sua meninice, e mesmo, de alguma forma, os sons tradicionais das baladas de Artur e Gonçalo Paredes, seu Pai e seu Avô, tudo isto com um olhar melancólico mas cheio de serenidade que nem a tensão dolorosa que marca alguns momentos da sua execução consegue perturbar.
Por tudo isto seria imperdoável que o que constitui verdadeiramente o testamento musical de Carlos Paredes não saísse a público, como documento artístico e humano de uma força emocional rara, para nos dar esta visão final que fecha o círculo de um meio século de carreira.
Uma carreira que nos ajudou como poucas neste século a reencontrarmo-nos connosco próprios e com a nossa identidade de portugueses.
RUI VIEIRA NERY
Universidade de Évora
Fonte: http://cvc.instituto-camoes.pt/disco/68/carlosparedes03.html
http://www.attambur.com/OutrosSons/Portugal/carlos_paredes_cancoes_para_titi.htm
_____________________________________________
Outros sites a visitar:
http://www.artistas-espectaculos.com/discos/pt/carlos+paredes.htm
http://guitarrasdecoimbra.blogspot.com/2008/03/carlos-paredes.html
http://aguitarraportuguesa.no.sapo.pt/
http://www.ruadebaixo.com/carlos-paredes.html
http://www1.uni-hamburg.de/clpic/tematicos/musica/aci/paredes_carlos.html
.
Carlos Paredes estava entre amigos e entregue mais uma vez a profissionais excelentes.
Ao longo dos sucessivos períodos de gravação efectuados Paredes gravou um total de oito composições novas. Fisicamente debilitado e com plena consciência das limitações que isso acarretava ao domínio técnico absoluto que sempre caracterizara a sua relação com a guitarra, foi multiplicando até à exaustão os takes de cada obra: dez no “Mar Goês”, doze na “Canção para minha Mãe”, quatorze nos “Arcos do Jardim”.
Em alguns casos eram entradas de alguns compassos em breve interrompidas, noutros interpretações integrais logo repetidas por os dedos o terem traído numa passagem rápida menos limpa ou num ornamento menos claro. Por vezes percebe-se que houve uma pausa entre takes para uma audição insatisfeita, noutras ouvimo-lo mergulhar com uma precipitação quase angustiada de uma versão para a seguinte.
Ouvir hoje a sucessão completa destes registos é uma experiência emocional tremenda. Sentimo-nos testemunhas directas de um combate feroz e desesperado de um grande criador com o seu próprio corpo: a respiração, que os microfones captam impiedosamente, é ofegante, e há no som da guitarra uma tensão por vezes violenta, como se Paredes quisesse compensar com verdadeira raiva a firmeza que as mãos insistiam em negar-lhe. Mas ao mesmo tempo é fascinante constatar como este combate desigual vai sendo ganho a pulso e como de versão para versão os dedos vão respondendo melhor, as frases se vão lançando, as obras ganham corpo e se afirmam em toda a sua inspiração. Há casos em que ao longo deste processo a própria composição foi evoluindo, com alterações mais ou menos significativas na estrutura de cada peça, desde realinhamentos na sequência das respectivas secções a um crescente amadurecimento do desenho melódico e até mesmo a mudanças de tonalidade.
Carlos Paredes não pôde já terminar este álbum, onde em circunstâncias normais as oito peças gravadas poderiam sem dúvida ser ainda objecto de novas transformações, no plano criativo, à procura da sua forma definitiva, e de novas versões, no plano interpretativo, em busca de uma segurança técnica superior. Por outro lado, é de admitir que outras composições inéditas se juntassem progressivamente às já gravadas.
Quando as gravações terminaram, estava-se, pois, assumidamente, perante um trabalho incompleto, em termos tanto da sua dimensão última como do seu próprio processo de maturação, e sobretudo perante um trabalho produzido em circunstâncias de evidente limitação física do seu protagonista face à sua plena forma anterior. Nestas condições, a decisão de o editar ou não revestia-se de um melindre artístico e ético tanto maior quanto o autor não a podia já tomar ele próprio.
Passados os anos, e confirmada a trágica irreversibilidade do estado de saúde de Carlos Paredes, impunha-se uma decisão, e foi então que Luísa Amaro, que se considerava demasiado envolvida afectivamente para ter sobre este dilema a necessária distanciação crítica, e o editor David Ferreira, que desde o início sobrepôs a qualquer interesse de ordem comercial a avaliação do mérito artístico intrínseco do projecto, acabaram por decidir, para minha grande surpresa, pedir-me uma opinião profissional independente sobre a matéria e confiar-me uma cópia integral do conjunto do material gravado.
Foi com verdadeira angústia – confesso – que me preparei para ouvir as gravações, temendo o pior. Para lá de ter construído durante anos com Carlos Paredes uma relação pessoal que sem ser propriamente de intimidade foi sempre extremamente cordial e mesmo de grande partilha artística, com longas e estimulantes conversas sobre todos os tipos de Música, do repertório clássico e romântico ao Manerismo e ao Barroco musicais e destes ao universo do fado de Lisboa e de Coimbra, tenho desde que me conheço uma admiração sem limites por Carlos Paredes,
considero a sua discografia uma referência decisiva da Música e da Cultura portuguesas do século XX, em qualquer género, e lembrava-me ainda muito bem de o ouvir ao vivo, fascinado, no auge da sua carreira, mas recordava-me igualmente da fragilidade progressiva a que fora assistindo em algumas das suas derradeiras apresentações públicas. Não era essa a imagem final que quereria ver perpetuada em disco de um músico de semelhante estatura.
Da experiência da audição concentrada e seguida de todo o material disponível, dos takes interrompidos às sucessivas versões integrais de cada peça, depressa me ficou, contudo, uma sensação de enorme felicidade. Apesar da luta desesperada evidente que Carlos Paredes travava
consigo próprio naquelas sessões de 1993 e das limitações técnicas incontornáveis a que a doença já então o submetia, a sua Música impunha-se com uma força verdadeiramente mágica logo a partir dos primeiros compassos – pujante de inspiração e de rasgo, deslumbrante no seu lirismo inconfundível. Lá estava aquele impulso rítmico único, partindo das anacrusas iniciais suspensas no tempo para depois se despenharem no seu tempo forte de resolução e lançarem a partir daí frases longas e ondulantes, sempre ao sabor de uma dicção musical perfeita. Lá estavam aquelas tonalidades menores carregadas de melancolia, salpicadas aqui e além de traços modais e de passagens cromáticas que tornavam o desenrolar da melodia num mistério sempre imprevisível. Lá estava, mesmo que agora por vezes transformado num grito de pássaro ferido, aquele som intenso, vibrado, plangente, e lá estava até, aqui e além, ainda que dramatizado pelo esforço transparecente, um virtuosismo ocasional ainda surpreendente na sua musicalidade inteligente.
Como sucede frequentemente com as suas obras anteriores, as oito peças que Paredes aqui deixou gravadas têm uma estrutura flexível em forma de arco, com os sucessivos temas a encadearem-se uns nos outros, dentro de cada uma delas, de forma muito livre, como numa rapsódia, ou a disporem-se segundo esquemas de repetição simples. Em vários casos havia para cada obra, de entre as diversas versões registadas, pelo menos uma onde os problemas técnicos ocasionais dos takes anteriores tinham sido completamente ultrapassados e que podia, por isso mesmo, ser reproduzida integralmente no seu estado original. Nos outros casos, a própria natureza seccional das peças tornava fácil a montagem de uma versão final a partir de dois – ou no máximo de três – dos takes realizados, sem que essa montagem elementar implicasse qualquer manipulação excessiva de estúdio. Uma vez decidida a edição viria esse a ser o trabalho – excelente, de resto – de Luísa Amaro e do produtor Paulo Junqueiro.
Ouço agora mais uma vez o resultado final deste trabalho, livre das versões iniciais que constituem um documento humano fascinante mas que de algum modo obscurecem o grau de perfeição possível corporizado nesse resultado. Ao fazê-lo regressa-me insistentemente a ideia de que Carlos Paredes, plenamente ciente, já então, da gravidade do seu estado de saúde geral e sobretudo das dificuldades técnicas com que se debatia, não poderá por certo ter deixado de sentir que estas seriam muito provavelmente as suas últimas gravações. Nessa perspectiva é de sublinhar muito em particular a maneira como esta Música, privada de um virtuosismo que pudesse valer por si para lá de qualquer outra lógica de construção musical, se depura de tudo o que não é essencial para assentar apenas numa inspiração concentrada onde nada é acessório. E chama-nos também a atenção o modo como Paredes parece regressar aqui a um universo que é o das suas reminiscências de infância, evocando as figuras tutelares da Mãe e da Tia, os espaços familiares da Coimbra da sua meninice, e mesmo, de alguma forma, os sons tradicionais das baladas de Artur e Gonçalo Paredes, seu Pai e seu Avô, tudo isto com um olhar melancólico mas cheio de serenidade que nem a tensão dolorosa que marca alguns momentos da sua execução consegue perturbar.
Por tudo isto seria imperdoável que o que constitui verdadeiramente o testamento musical de Carlos Paredes não saísse a público, como documento artístico e humano de uma força emocional rara, para nos dar esta visão final que fecha o círculo de um meio século de carreira.
Uma carreira que nos ajudou como poucas neste século a reencontrarmo-nos connosco próprios e com a nossa identidade de portugueses.
RUI VIEIRA NERY
Universidade de Évora
Fonte: http://cvc.instituto-camoes.pt/disco/68/carlosparedes03.html
http://www.attambur.com/OutrosSons/Portugal/carlos_paredes_cancoes_para_titi.htm
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Outros sites a visitar:
http://www.artistas-espectaculos.com/discos/pt/carlos+paredes.htm
http://guitarrasdecoimbra.blogspot.com/2008/03/carlos-paredes.html
http://aguitarraportuguesa.no.sapo.pt/
http://www.ruadebaixo.com/carlos-paredes.html
http://www1.uni-hamburg.de/clpic/tematicos/musica/aci/paredes_carlos.html
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