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sábado, 22 de janeiro de 2011

A Matemática e a Lei XI

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Carlos Marinho, coordenador-geral da Sociedade Portuguesa de Matemática, publicou um interessante artigo sobre a Lei XI (fora-de-jogo).

Com a devida vénia, transcrevo na íntegra o seu conteúdo:

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Linhas e Pontos por Carlos M. Marinho
(Publicado a 10 de Janeiro de 2011)


Lei 11, (em) Fora-de-Jogo

No Ponto e Linhas deste mês vou falar de futebol. Mais precisamente de uma regra. A Lei 11, do fora-de-jogo. O Clube de Matemática entrevistou Domingos Paciência, tendo o treinador afirmado que esta lei “…dá muitos problemas”. Vou neste contexto tentar fazer uma leitura, dar um pequeno contributo, se possível, com elementares raciocínios. Refira-se que as soluções para esta regra aparentemente não agradam nem a gregos nem a troianos. Desde logo, levantam-se acesas discussões em volta deste assunto. Será que existe solução para este nó gordio?

Estarão a perguntar então, qual a visão que tenho desta lei, qual a leitura “matemática” que tenho deste assunto. Trata-se sem dúvida de um desafio interessante. Desde logo, porque existem alguns intervenientes, uns com acção directa sobre o lance e outros que o podem influenciar indirectamente. Os principais agentes são os jogadores e os árbitros, em particular o fiscal de linha que tem a responsabilidade de tomar a primeira decisão. Depois, temos a interferência do público afecto às equipas. Finalmente, temos um objecto, denominado de bola de futebol, que não é mais do que uma aproximação de uma esfera que acaba por ter o papel principal nestes momentos de rapidez e precisão.

Vou-me centrar em duas frases da Lei 11:
1.    “Um jogador encontra-se em posição de fora-de-jogo: se estiver mais perto da linha de baliza adversária do que a bola e o penúltimo adversário.”
2.   “Um jogador na posição de fora-de-jogo só deve ser penalizado se, no momento em que a bola é tocada ou jogada por um colega de equipa, o jogador toma, na opinião do árbitro, parte activa do jogo: a) intervindo no jogo ou b) influenciando um adversário ou c) tirando vantagem dessa posição.”
O ideal era que a lei ficasse pela frase 1. E porquê? Só este lance já provoca sérios problemas de análise para quem decide. A probabilidade (se este momento for tomado como acto aleatório – alea jacta est) de a decisão ser assertiva é de apenas 50%. Existe um caso favorável e dois casos possíveis. Por outras palavras, a probabilidade de o arbítrio ser correcto é de um meio.

Consideremos o seguinte exercício (entre muitas possibilidades): suponhamos que temos um fiscal de linha bem colocado e um jogador (a colocação deste jogador no terreno do jogo pode dificultar mais ou menos a decisão a tomar) que está sobre o lado direito da sua estrutura defensiva contíguo à linha lateral, completa um pontapé forte para a frente. O que acontece? O fiscal de linha tem de seguir com o olhar o pontapé do jogador. De seguida, tem de observar a trajectória do esférico e, em fracção de segundos, fazer com a cabeça uma rotação com centro no ponto onde está colocado, descrevendo um arco que pode ir até 90 graus, para definir a posição dos jogadores de ambas as equipas.

O seu raciocínio passa por determinar se existe algum jogador em fora-de-jogo. Os primeiros incómodos surgem nesta acção. Os jogadores que estão na “zona de decisão” também se encontram em constante e indómito movimento desde que a bola é pontapeada, podendo naquela fracção de segundo confundir a acção do fiscal de linha (mentalmente o fiscal de linha traça uma linha perpendicular à linha lateral onde se encontra, definindo uma semi-recta com início na sua posição). No instante exacto em que se dá o pontapé o jogador avançado pode encontrar-se em posição regular. Nos milésimos de segundo que medeiam o pontapé o percurso da bola e a avaliação do fiscal de linha são suficientes para que o atleta seja penalizado por se movimentar rapidamente, fugindo à marcação e, se encontrar numa posição avançada em relação ao último jogador. Exige-se então ao “juiz” que sob pressão, decida correctamente uma acção, em que ele muitas vezes apenas tem uma intuição do lance (existem muitos factores exógenos que podem distrair este elemento).

Conta-se a seguinte história. Um campeão do mundo de fórmula 1 numa determinada corrida quando vai no seu bólide a uma velocidade de 300 quilómetros por hora, trava a fundo numa curva parando o seu carro, criando um sinal de fumo, um ruído ensurdecedor e espanto para todos que presenciam a prova. Pergunta-se agora, porque parou? No final, em conferência de imprensa, ele explicou a sua reacção naquele momento que provavelmente lhe salvou a vida. A sua intuição, naquele segundo disse-lhe que algo se passava para além daquela curva apertada. Tomando em consideração que ele era o melhor do mundo, referiu que “as pessoas vieram para me ver a passar aquela curva. Contudo, nesse instante as pessoas na bancada em frente olhavam todas em direcção contrária, olhavam para o fundo da estrada. Intuí que algo se passava, um acidente grave. Por isso a justificação para a travagem - explicou o piloto.

O árbitro não se pode deixar influenciar pelo público, tal como o piloto de fórmula 1 se deixou. Não pode decidir em função de uma reacção das pessoas afectas a um determinado clube. No entanto, com todas estas fragilidades o árbitro tem de se pronunciar sem vacilar, com certezas ou intuições correndo o risco de errar, como disse René Descartes no Discurso do Método “…uma vez tomada uma decisão num certo sentido, para o qual no momento nos sentimos mais inclinados, deveremos ser determinados a persistir nessa direcção.” E continua, “esta regra supõe a necessidade de agir e de decidir mesmo quando não dispomos de certeza na decisão”. Este matemático defende esta regra, como “regra da determinação ou constância da decisão”. O problema surge quando falha.

Neste momento, analiso a frase 2, acima transcrita. A infracção só se concretiza com determinados requisitos, como estão enumerados neste item. Não serão acções excessivas que podem deformar qualquer decisão que se queira tomar, por mais competência que se tenha neste domínio? Aqui, pergunta-se: o jogador nestas condições não está a fazer parte de um jogo colectivo, onde a defesa contrária se molda da melhor maneira, em função de todos os jogadores atacantes, tendo todos os jogadores uma influência decisiva na acção do jogo? Não está aquele jogador a ter uma atenção especial por parte da defesa, uma vez que se encontra numa zona que põe em perigo a baliza de quem defende?

Em síntese, a acção de uma equipa de arbitragem tem momentos ciclópicos que podem originar erros de análise. Por vezes, o que se pede a estes intervenientes é que decidam no momento, estruturando o seu raciocínio em várias fases, numa fracção de segundo. Poupavam-se imensos problemas se esta lei ficasse pela primeira frase. A discussão seria menor, nunca desprovida de erro, uma vez que as falhas iriam continuar a acontecer. No entanto, os estragos seriam objectivamente menores. A tarefa da equipa de arbitragem estaria assim mais facilitada. Uma lei de fora-de-jogo só com uma frase. A discussão seria dirimida com apenas um argumento. O jogador encontrava-se ou não em fora-de-jogo. Ponto final.

O futebol mudou. Ganhou velocidade graças às melhorias e condições que hoje este desporto ostenta. Talvez por isso, a lei do fora-de -jogo possa ser agilizada, sem que se perca a emoção deste desporto. Já Fernando Pessoa dizia que “há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”.

No momento actual, enquanto esta lei está vigente, o melhor a fazer em relação ao futebol é discutir as melhores jogadas, vibrar com os golos, ter fair-play e, concluir que nada é definitivo como conclui José Saramago quando afirmou “o que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas”.»


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Artigo roubado de:   http://www.clube.spm.pt/arquivo/271

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